BeatBossa

quarta-feira, outubro 17, 2007

um dia a menos

Acordar cedo não é nada bom. Principalmente se você foi dormir às três horas da manhã. Por que não foi dormir mais cedo, meu camarada? Simples. Eu estava sem sono. Melhor. Eu enganei o sono com uma xícara de café e um cigarro. Dois cigarros na verdade. Escrever me dá vontade de fumar. Acho que já disse isso. Eu queria escrever alguma coisa. Sempre estou escrevendo alguma coisa. E na verdade nunca escrevo nada. Quem sabe eu seja um escritor um dia, mas tentar fazer uma tese de doutorado decente e uma obra de ficção que valha a pena ser lida ao mesmo tempo não dá certo. Quem sabe se eu fosse filho de pais funcionários públicos... Hoje aos vinte e seis ganho mais do que minha mãe jamais ganhou. Ela ficaria feliz com isso e provavelmente me daria um conselho inteligente; daquele tipo de conselho que você sabe que a pessoa que dá está te falando a coisa certa, porque você sente que ela fez a coisa errada a vida toda. Ela só queria me ensinar mais alguma coisa boa. Bem. Eu queria mesmo dormir, mas a imagem de A. não parava de aparecer na minha mente. Eu olhava para o celular, abria meu e-mail, entrava no messenger. Nada. Nem um sinal de sua vida. Ela que sempre podia me surpreender com uma mensagem às duas da manhã. Eu sei que você fica acordado. Ela me conhecia mesmo. Nenhuma mulher me conheceu também. Nunca deixei uma mulher me conhecer tão bem. Ela entrou na minha vida como se tomasse a posse de uma terra improdutiva e me vez ser um homem de verdade enquanto eu pensava que era um adolescente ainda com vinte e um anos e algumas espinhas e pouca barba na laje. Um diploma na mão e nenhuma perspectiva de progresso na vida. Se progresso na vida é ganhar dinheiro, minhas esperanças eram uma planta por regar, um mendigo esperando o último níquel que falta para o litro de cachaça. Ela me fugiu. Como aqueles gatos que somem e a gente encontra anos depois na rua e tem certeza que é nosso. Mas não pode mais dizer que é. Porque não é mais. É do mundo. E o que é do mundo não é de ninguém também.

Florianópolis amanhece agora com uma cor sépia. É setembro ainda. Como uma puta preguiçosa aos poucos a cidade acorda. A. é o que penso enquanto tiro o sono da cara com um pouco de água fria e pasta de dente. Hoje não vou tomar café em casa. Não dou aula e tenho que assistir uma aula na universidade à tarde. Sexta-feira. Não sei o que fazer. Um texto do Deleuze querendo ser lido, um novo disco do Radiohead que recém baixado quer ser ouvido; um novo dvd do Hitchcock querendo ser visto; um novo número de telefone que quer ser discado. Vou postergar esses prazeres indefinidamente. A puta quer acordar e vou ajuda-la a fazer isso. Calço os tênis. Faz uma semana que minhas canelas não sentem o atrito do asfalto, dos ladrilhos das calçadas, o bafo do pneu quente dos carros. Eu só preciso arejar meus pulmões, suar um pouco e fazer essa puta velha parecer mais atraente e jovem. Quem sabe isso faça eu me sentir menos imprestável também. Quem sabe A. surja como um susto na esquina escura, ou a vizinha do 201 tenha acordado mais cedo para comprar pão.

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Toda vez que tento ler as crônicas no DC, eu lembro porque não compro mais o DC. que jornalzinho mais ou menos. E o pior é que um dia eu gostaria de ser um escritor de carteirinha, ganhar um dinheiro para dizer o que eu penso sobre as coisas. Mas não daria certo. Eu falo o que penso sobre as coisas, e o que eu vejo e leio não me agrada nada.Mas quem sou eu para ter uma opinião? eu nem escrevo em um jornal famoso, rsrsrs foda-se o sistema e que Deus abençoe os acionistas do Google. (Como é bom ser anarquista de vez em quando)

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domingo, outubro 14, 2007

uma prosa qualquer


Amor à Primeira Vista

por C. L. Miller

Você ficou em mim como um quadro. Uma tomada em close-up. Meus olhos te fitaram naturalmente com a indiferença de quem mira um horizonte sem espectativa. Ando galgo e amargo como uma bebida velha. Você ali. Tão frágil, tão bela e distante, mas com uma proximidade de medo e fúria. Simples, pequena e doce. Eu te construí assim, aos pedaços do que meus olhos insistiam em colher nos momentos fugidios em que passando por minha mesa, em que nossos olhares se miravam descuidados. Não, eu já não estava descuidado e incerto. Eu esperava ansioso uma migalha, um naco destes dentes, dessa alegria que eles pareciam despejar nos copos e garrafas que entregava. Mas eu sentia uma alegria densa, como que necessária e fugaz... nada mais... eu não queria pensar em nada mais além da sua imagem que me tomava agora a calma e não dizia nada. Mesmo sua voz ainda era para mim uma possibilidade que depois eu senti receosa, como se sentisse em mim uma ameaça; meu sorriso ainda não escondia outros agruras e dores. De que importa... era você. Eu sempre soube. Tinha que ser apenas você. Eu ainda quero saber. Quero descobrir os teus caminhos e aventuras, que ondas molham os seus pés na praia e se serão meus pés a acompanhar os seus, mesmo de esguela, insidiosos, infiltrando-se nas tuas vidas, nas tuas amizades nos teus gostos; tornando os seus cheiros os meus cheiros, as suas secreções as minhas secreções, a sua saliva a minha saliva, a sua pele a minha pele. Como eu saberei, como? Quem há de me dizer não! Não é essa a mulher que procuravas dentre o lixo, dentro os livros, dentre os cinemas vazios e seus carpetes empoeirados, num poema de Vinícius, num quadro Hopper. Não! Não é esta a mulher-noite que invadia teus sonhos sem rosto, sem voz, apenas um corpo que na eminência do toque esvanecia como névoa, deixando um suspirar de prazer no teu ouvido, um aroma que dias e dias e dias tomava a tuas narinas como um vício gostoso e fugaz. Como não poderia ser ela?

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não gosto de postar coisas dos outros, mas tem vezes que a palavra do outro expressa tudo aquilo que estamos sentido no momento em que lemos que dá uma puta vontade de dizer para os outros, cara leia isso.

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sábado, outubro 13, 2007

paulo autran e resnais

Conheço muito pouco do que ele fez no cinema e no teatro. Morando numa província distante é difícil ver as grandes produções das metrópoles culturais. A despeito disso, a gente ouve muita coisa por aí. Terra em Transe está em qualquer lista dos cem mais do cinema. Não só porque Glauber era um gênio, mas porque ela tinha a habilidade de tirar o máximo e mais um pouco de seus atores e inevitavelmente as interpretações soam sempre viscerais. È o caso de Autran em Terra em Transe, Antonio Pitanga em Câncer, Oton Bastos no Deus e o Diabo e no Dragão da Maldade. Ainda tá muito claro na minha mente a forma como ele lia Drummond. No filme O Poeta de Sete Faces ele declama "Bom Dia", e com uma naturalidade de quem conversa e entende o poema que está lendo ao mesmo tempo em que sente a beleza de cada palavra posta em sua medida certa. Ainda quero ver A Máquina e Oriundi, dois filmes que me parecem bons, mas que ainda não consegui ver.


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Mudando de assunto. Se não foi ver vá ver o "medos privados em lugares públicos" do Alain Resnais. Se nome não garante filme bom, esse tenha certeza que garante. Autor de clássicos como "ano passado em marienbad", e "hiroshima mon amour", os dois últimos filmes que vi dele, esse e o "amores parisienses" tratam com um certo pessimismo as relações amorosas. Como se de alguma forma estamos fadados à solidão, à melancolia ao despreparo para lidar com as idiossincrasias e erros dos outros. Não escutamos, não nos comunicamos, e o que de fato todo mundo quer é apenas ser ouvido e ter um colo para repousar suas angústias e alegrias. Entretanto, esse desejo parece inatingível. Não é a toa que ele é uma grande influência em Wong Kar Wai, outro poeta do desencontro, e do desacerto.

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quarta-feira, outubro 10, 2007

ben harper

Essa é só pra dizer que eu acho que o Ben Harper não tem nada de surf music, e para aqueles que disseram que ele é uma mistura de Jimmi Hendrix com Bob Marley também estavam enganados . Esse disco tá bem diferente dos anteriores. Mas ao mesmo tempo permanece com a cara do Ben. Tem uma pegada mais soul e folk, como "in the colors". Já "fool for a lonesome train" lembra o Dylan dos anos 70, quando ele ousou colocar uma banda para fazer um barulho com ele, mas sem deixar aquele espírito de cara sozinho tocando o violão na beira da estrada enquanto espera uma carona, mesmo espírito da "paris sunrise #7". Apesar de "I need you tonight" ter um apelo Hendrix, o vocal tem uma paixão de James Brown. Acho que o Harper está bebendo mais conscientemente das suas raízes.

Quer ouvir? Vai lá


ps. eu apenas estou dizendo onde está.



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- Essa é mais uma pérola da Lisa, no episódio "simpsons wars", (segunda temporada), o casamento de Homer e Marge entra em crise depois do figura encher o piquá o fazer um papelão na festa que eles dão para os amigos. O importante é que o casal vai para um retiro para casais promovido pela paróquia local, e deixa as crianças como o Vovô Abe. Advinha? Bart dá uma festa em casa, e ambos, Bart e Lisa forjam uma lista de compras cheia de bobagens, tipo todos os sabores de sorvete possíveis. Lisa "acho que estou tendo um conflito ético aqui".

- mais um donut: "três garotos e um gibi" tem alguma coisa a ver com o "the good, the bad, and the ugly", do Leone? Bart é o mal, Milshouse o feio, e o Martin o bom? comparação esdrúxula, mas em se tratando de simpsons tudo é possível.

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- A Matéria sobre o Che na veja é de se pensar. Pelo menos é um outro lado da moeda. Acho que o uso de sua foto como ícone Pop esvaziou de sentido a sua imagem. Se não o tivessem matado a história poderia ter sido outra. Todo comunista nos anos 50 e 60 achava que estava certo, tem gente até hoje que acha que a revolução é o único caminho, culpar ele por isso não dá. Ele apenas foi atrás do que milhões queriam fazer mas não tinham coragem. Que ele não era um bom militar isso sempre teve na cara, um cara que dá um tiro no próprio pé não deve ser um bom militar mesmo. Até eu que tirava serviço no quartel armado com uma pistola carregada nunca tive problemas com armas, e olha que eu sou descordenado.

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domingo, outubro 07, 2007

simpsons é arte


Meu momento gavola, é outra coisa o cara conhecer as coisas, ou não é?
A graça da referência é quando você consegue interpretá-la, e os simpsons tem essa coisa legal de jogar o tempo todo com o erudito e o popular, como no episódio "o amor é belo", em que o diretor Skinner (se ligou?) se apaixona pela Paty, a irmã da Marge. E tem uma cena em que ele sobe em uma torre, e se você viu "Um corpo que cai" (Vertigo, 1958), do Hitchcock você vai saber que torre é essa.
A cena do quadro passa muito rapidamente no episódio "Dinheiro de Velho", da Segunda Temporada dos Simpsons. É um episódio muito interessante (e qual não é?). O Vovô Simpson Arruma uma namorada no asilo, ela vem a falecer e lhe deixa cem mil dólares de herança. Ele decide usar o dinheiro para ajudar as pessoas. Lógico, o episódio é mais uma lição de civilidade da família Simpson. Homer, que de bobo só tem a cara, no começo do episódio diz que não espera que seus filhos façam com ele o que ele faz com o pai dele, e claro, tenta tomar uma atitude mais positiva e busca seu pai mais vezes para ficar com a família.

ps. A Lisa é meu simpson favorito. Como uma garotinha de seis anos pode conhecer tao-te ching (vide episódio em que o Bart disputa um campeonato de mini-golf com o filho do Flanders), Jane Austin, Poe (vide especial do dia das bruxas da segunda temporada), tocar sax, ser vegetariana, assistir ao comichão e coçadinha, passar trotes com o Bart ao bar do Moe e ser obececada em ganhar um poney?
ps2. eu sei que estou viciado nos simpsons.
ps3. o quadro é de Edward Hopper, americano, e se chama Nighthawks.
ps4. eu vi o filme sexta, depois comento.


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quarta-feira, outubro 03, 2007

novo cd do white stripes



O que sempre me atraiu nesses dois malucos foi a potência do som. A voz e a guitarra do Jack são demais. Vou repetir como tudo mundo que ele é o melhor guitarrista que surgiu nos últimos tempos, e da galera que toca por aí poucos fazem o que ele faz. Eles já entraram para o cânone do rock. Não vou colocar rótulos, chame eles do que quiser. Não escuto música porque elas está numa sessão da loja escrito indie, poprock, metal, hardrock, ou o que quer que seja. Música é gosto. Ponto. E o som que eles fazem me agrada e muito. Depois de me justificar, vamos ao cd. Como toda banda boa, eles dão cara para suas músicas. Você escuta e sabe quem está tocando. Tudo bem que a Meg não é um John Bohan, a bateria dela casa harmoniosamente com a guitarra do Jack, e é isso que importa. Eles não precisam de um baixista, de um tecladista, ou de um guitarrista base, ou um vocalista solo. E essa é a vantagem de bandas assim como eles, Radiohead, Keane, e outras por aí que se viram com o que tem e fazem um som devastador. Mas a despeito daqueles, o Jack não usa sintetizadores. Ele pluga sua guitarra no pedal, na caixa e toca. Só isso. Nada de parafernálias eletrônicas. E por isso o som deles tem esse tom meio cru de rock de garagem, de vizinho do apartamento de cima tocando bateria dentro de casa, sem perder a rebeldia gostosa que todo rock precisa ter.

A música “300 M.P.H. Torrential Outpour Blues”, por exemplo, parece uma baladinha, e é uma baladinha, mas dali a pouco saltam uns riffs, e a guitarra começa a gritar entre uma estrofe e outra. “Conquest” tem uma pesada mais heavy, e com um metal só pra dar um contraste. É uma musiquinha sobre amor, e tem até uns versinhos legais como “And then in the strange way things happen/ The roles were reversed from that day/ The hunted became the huntress/ The hunter became the prey”. Mas para mim os destaques do cd são "Prickly Thorn, But Sweetly Worn", e "St. Andrew (This Battle Is In The Air)", que possuem um tom mais raíz, com uns sons do que parece ser uma gaita de fole, um pandeiro, e uma rabeca, o que dá uma cara daquelas músicas de imigrantes irlandeses, e as duas parecem ser uma só.

Aqui embaixo, o clipe de “Icky Thumb”, faixa que batiza o cd.

E a “You don’t know what love is”, video e música são muito bons.

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