BeatBossa

terça-feira, março 23, 2010

A vida dos outros

Se há um produto, há quem o consuma. Ou como dizem, cria-se a necessidade. Informação é também um produto. Pagamos pelo jornal, pela revista, pelo provedor da internet, ou pelo menos temos que fechar uma janelinha de pop-up do patrocinador que está bancando o site. Questão: por que a vida dos outros nos interessa tanto? O que há de tão interessante nas manchetes sobre as celebridades? É a catarse ou transubstanciação? Eles fazem o que não podemos fazer e ao ve-los fazendo é como se nós próprios fizéssemos.

O caso Adriano e Wagner Love pode parecer mais uma conspiração de paulista pra criar uma crise no time do Flamengo e impedir que o melhor time do Brasil se mantenha no topo da cadeia alimentar onde é seu lugar de direito. Não cabe a mim decidir isso. O que cabe é questionar o falso moralismo que transborda dos televisores e artigos em diferentes mídias. Há lucidez, e Arthur Muhlenberg é um dos poucos lúcidos nesse meio (não por ser flamenguista).

Há a condenação moral: idolatria, exemplo, modelo de comportamento. Atleta não tem missão de ser modelo de comportamento, ainda mais jogador de futebol que é tão atleta quanto um piloto de fórmula um, tanto que nas olimpíadas o futebol nem é levado tão a sério (por isso mandam os juvenis). A sociedade precisa de um código moral que independa do papel do cidadão. O modelo de comportamento do jovem não deve ser o atacante que quando sofre uma falta dois lances depois dá um chute na canela do adversário para “se cobrar”. Futebol é um dos esportes mais sujos e um daqueles em que é cada vez mais evidente que poucos são aqueles que sabem perder (vide Luxemburgo, especialista em desfocar da sua incompetência). Claro, ninguém pede para ser exemplo. Pelé não pediu. Mesmo assim é exemplo (não sei de quê, mas é). É um cara que não fuma, não toma porres, não dá festas com prostitutas, nunca usou drogas (pelo que sabemos), não joga no bicho, etc. Love e Adriano não pediram para serem ídolos. Só que o fato de serem vencedores os credencia a serem tomados como modelos de comportamento para muitos jovens. Pelos idos dos anos 90, quando estava na adolescência, eu também precisei de um ídolo. Busquei alguns no roque (o Flamengo andava mal das pernas naqueles tempos, lembram do pior ataque do mundo? Romário, Sávio e Edmundo): Raulzito, Humberto Gessinger, Renato Russo, Jimi Hendrix, Jim Morrison. “live fast, die young”. Mas não cumpri o objetivo declarado de alguns amigos: vamos acabar com todo o álcool do mundo, bebendo! Não bebi meu cérebro, por isso estou onde estou hoje.

A vida dos outros nos interessa por duas razões: a) queremos ter o que o outro tem; b) já que não podemos ter, pelo menos que alguém tenha. Logo, a idolatria não passa apenas pelo modelo de comportamento, pelo exemplo. A idolatria passa pela catarse. É o que a religião faz: ao sermos bons estamos garantindo um lugar ao lado do pai. Ao copiar o modelo de Jesus somos um pouco como ele. Ao copiarmos as jogadas de Robinho, Adriano, Kaká, queremos ser como eles, queremos ter as camisas deles, vestir o que eles vestem. Adoramos o BBB não só porque queremos ver do que as pessoas são capazes para ganhar um milhão e meio, adoramos o exercício cotidiano do julgamento, do linchamento público. Tomar as pessoas como modelos por um momento e no dia seguinte atirar-lhes pedras porque possuem pontos demais na carteira, porque possuem amigos de infância que viraram bandidos ou porque desaprovamos suas atitudes. Obviamente tem a questão contratual: como atletas eles representam não apenas a si próprios, eles são a imagem da marca do time e do patrocinador. Em um certo sentido, eles são sem face, sem identidade, são “jogadores do flamengo”, estereotipa-se. Pouco importa que caras inteligentes e cultos do naipe de um Juca Kfouri ou de um Washington Olivetto sejam corinthianos, torcedor desse time sempre será visto como bandido. Voltando ao assunto, eles precisam cumprir seus contratos e o problema entra em outra esfera. Não é para a opinião pública que eles precisam dar explicações, é para seu contratante ou patrocinador. Todos temos o “direito” de julgar: julgamos Judas, julgamos o vizinho, julgamos a menina que coloca fotos ousados no orkut. O esporte favorito da humanidade é julgar.

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domingo, março 07, 2010

Porque não sou mais religioso - parte 1

Vendo “As fitas do ateísmo” (documentário que recomendo a todo cético) comecei a pensar sobre a minha 'desconversão'. Nas fitas, o entrevistador perguntava sempre aos entrevistados quando ocorreu o momento da desconversão deles, ou quais foram os seus motivos para deixarem de acreditar em deus (praticamente todos eles cresceram em famílias mais ou menos religiosas, foram à catequese, frequentaram a igreja aos domingos, etc). Entre os entrevistados estão Daniel Dennet, Richard Dawkins, Steven Weinberg, entre outros.

É difícil dizer 'quando' isso ocorreu. Sempre tive um pé atrás com a igreja, seja pelo luxo dos padres e pastores, seja pela distância que os pobres mantém da igreja católica, seja pela hipocrisia da maioria dos seus praticantes. Esses eram fatos que saltavam aos meus olhos já na adolescência. Não sei porque um pastor precisa morar em uma cobertura para ajudar quem precisa. Veja: ninguém precisa ter uma religião para ser uma pessoa boa; ajudar o próximo; ou ter um código de conduta moral (não precisamos de mandamentos, temos o código civil; o código penal; princípios éticos, etc).

Claro, ter lido Nietszche, Marx, Russell, entre outros abriu meus olhos para muitas coisas: dominação via ideologia; a consequente manipulação das massas; o uso desse poder religioso para fins políticos e bélicos (vide Bush atualmente, ou as Cruzadas na idade média). Mesmo a história da humanidade está recheada de exemplos de intolerância religiosa ou imposição da cultura religiosa do conquistador sobre o conquistado (nossos índios são um exemplo disso, e dentro da línguística também temos o exemplo dos linguistas missionários que vinham estudar as línguas indígenas brasileiras com o pretexto científico, embora ao mesmo tempo, com o uso do conhecimento que tinham da língua da tribo, usavam tal conhecimento para catequizar). Isso também me assusta muito, essa preocupação que certas religiões têm em espalhar a 'verdade', catequizar os gentios.

Ainda me é estranho o fato que tanta gente insista na teoria da evolução das espécies para justificar sua descrença na Bíblia (é o que acontece com alguns dos entrevistados nas “fitas”). Não precisamos do darwinismo para perceber que o criacionismo está para a civilização ocidental assim como qualquer lenda indígena da criação da mandioca ou do milho está para os povos indígenas brasileiros. É só um mito (assim como Babel, Sodoma e Gomorra, a Arca de Noé, ou os mitos gregos). Os mitos gregos poderiam perfeitamente estar na Bíblia. Provavelmente não tenho nenhuma definição antropológica de 'mito', mas para mim, intuitivamente, o velho testamento (principalmente o Gênesis) é uma coleção de mitos. Por mito entendo uma explicação que um povo cria para fatos que não compreende. Em resumo, apelar para o darwinismo soa para mim tão simples que chega a ser tautológico. Ao mesmo tempo em que é admirável que ainda percam tempo com isso.

A maldade e a intolerância são as principais razões para minha descrença. A injustiça, a desigualdade também são fatores importantes. Além das inúmeras coisas estúpidas que vemos padres e pastores dizerem e fazerem todos os dias. Condenar o uso da camisinha me parece tão ridículo quanto proibir a transfusão de sangue ou a doação de órgãos por razões teológicas. Deus quer o bem de todos, mas ele não quer que usemos proteção, pois o sexo, por definição, é só para a reprodução. Claro, a natureza fez ele prazeroso porque de outra forma não haveria copulação (temos consciência, o que os outros animais não tem, logo porque faríamos algo que não nos dá prazer?). Voltando ao assunto, não há explicação razoável para a existência do mal. O deus do velho testamento é um sujeito ranzinza e punitivo (ele deu o livre-arbítrio, ao mesmo tempo em que é onipresente e onipotente, vê tudo, e é capaz de interferir nos destinos dos homens, porque não impediu o holocausto, por ex., era só provocar um ataque cardíaco no Hitler). Talvez a resposta seja o livre arbítrio: temos a liberdade de fazer o que quisermos e responderemos por isso no além. Ótimo! Isso é tão cômodo, contanto que você se arrependa dos seus pecados tá tudo bem, deus é um pai bom, vai de deixar um tempinho no purgatório, e depois você pode curtir a vida eterna (claro, um padre dirá que não é tão simples assim, mas se não for, o perdão não faz o menor sentido).

Claro, não nego toda a produção cultural que a humanidade criou porque é religiosa (ou em função da religião), como a Capela Sistina, as mesquistas muçulmanas, etc. Não nego isso, e talvez seja esse o único ponto positivo disso tudo. Só que para mim, a existência de um ser que interfere nos destinos dos homens aqui na terra não faz mais o menor sentido. Ele só interfere quando quer e por razões totalmente arbitrárias e inexplicáveis à razão e à lógica ordinária ('Meu deus é melhor que o seu').

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terça-feira, março 02, 2010

A aventura da pesquisa científica

Pois é, agora sou um doutor em linguística. quatro anos de graduação, dois de especialização, dois de mestrado e quatro de doutorado pra chegar até aqui. Um amigo diria que agora estou no topo da cadeia alimentar. Eu continuo a mesma pessoa, agora com um novo certificado que me permite lecionar em universidades federais (não que isso seja ou sempre tenha sido pre-requisito, todos sabemos disso). Não quero me vangloriar disso, mas acho que fazer um doutorado, ou mesmo um mestrado é para poucos.
Assim como a sociedade precisa de trabalhadores para diversas coisas a universidade precisa de professores para formar esses trabalhadores. Além disso, a curiosidade não mata o gato sempre. A curiosidade humana é o que nos leva a pesquisar. Metodologia da pesquisa científica básica: toda pesquisa começa com uma pergunta. Se você não tem uma pergunta, não sabe o que procurar, também não vai saber onde chegar.
Não sei se me apaixonei pelo meu objeto de pesquisa durante estes últimos 6 anos em que estudei sobre as sentenças comparativas, mas o que aprendi no caminho fez valer o preço. Se a minha tese vai ficar juntando poeira na biblioteca isso eu tenho certeza, afinal em tempos de pdf, quem precisa ir a uma biblioteca procurar uma tese ou dissertação? (a Unicamp, por exemplo, está digitalizando o seu acervo de teses e dissertações e no Pro-quest a gente acha teses defendidas nos EUA pelo menos desde os anos 70, Great!). O livro não vai morrer, mas a informação circula bem melhor digitalmente. O negócio é que aprendi um bocado, tanto tecnicamente (sei usar um modelinho matemático para explicar o significado das línguas e vocês não, rsrsr). Claro, tem gente lá fora que manja barbaridade de psicanálise, de Foucault, de teoria quântica, de polímeros e outros seres esquisitos. Eu faço semântica de modelos (e acho que entendo um pouco de sintaxe). Acho que pelo menos seria estranho eu ter escrito 200 páginas de algo sobre o qual eu nada conhecesse.
Já vi gente desistir do mestrado ou do doutorado. Pessoas que por alguma razão se desiludiram com sua própria pesquisa ou com a vida acadêmica. Também tive meu momento de negação. Aqueles momentos em que você pensa: por que diabos não fiz administração ou direito? Ter uma graduação em qualquer coisa ainda te permite fazer concurso pra trabalhar no Banco do Brasil ou na Caixa ou mesmo fazer algum desses concursos que pedem qualquer graduação. Mas não desisti. Na verdade, o que me moveu a fazer uma pós-graduação foi o desejo de saber mais, de entender melhor as coisas que me eram estranhas, no caso a linguagem humana. Hoje acho que entendo razoavelmente como os humanos de comunicam, e fico feliz com isso. Não senti alívio por defender minha tese, porque não foi algo difícil. Difícil ou trabalhoso é lavar roupa, limpar banheiro, lixar uma parede, estas tarefas são difíceis pra mim. Escrever e estudar são coisas que fiz sempre com prazer e acho que isso me candidata a ser o que sou: um pesquisador (ou cientista, se vocês preferirem). O gostar de "pensar sobre". É isso que algumas pessoas perdem no caminho ou simplesmente não possuem essa habilidade desenvolvida (provavelmente por razões históricas e psicológicas), não acredito em dom. Todos nascemos iguais. Só que as escolhas que fazemos, que nossos pais e professores fazem, constrói o que seremos.
Nada foi complicado. Claro, exigiu trabalho, dedicação, horas na frente do pc, horas lendo e relendo o trabalho, re-escrevendo, pensando, procurando novas fontes bibliográficas. Só que nada disso foi penoso pra mim, as coisas simplesmente seguiram seu curso natural, o que me faz pensar que talvez eu esteja no rumo certo. Há quatro, cinco meses atrás estava preocupado em ficar desempregado. Agora tenho três opções de trabalho. Ótimo. Espero que vocês aí fora tenham a mesma sorte (não acredito em sorte, mas vocês sabem o que quero dizer).

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