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segunda-feira, julho 17, 2006

as outras zélias


As outras Zélias

Somente agora, quase dois anos depois e lançado estou conhecendo este disco. E o que é mais importante: conhecendo Zélia Duncan. E acho que ela mesma começou a se conhecer e a usar a sua maravilhosa voz para cantar canções de verdade. Se antes ela era uma boa cantora com um repertório ruim, agora ela conseguiu conjugar as duas coisas, o que veio desabrochar claramente no último trabalho “pré-pós-tudo bossa-nova band”. Mas não vou falar desse, quero falar deste genial “eu me transformo em outras”. O Verso que batiza o disco é de autoria de Itamar Assunção, um compositor que só estou descobrindo agora, aos retalhos, repare por exemplo neste trecho da canção que abre o cd, “quem canta seus males espanta”: “Entro em transe se canto, desgraça vira encanto/Meu coração bate tanto, sinto tremores no corpo/Direto e reto, suando, gemendo, resfolegando/Eu me transformo em outras, determinados momentos/Cubro com as mãos meu rosto, sozinha no apartamento.” Não teria como não refletir a personalidade desta mulher incendiária.
Pelo disco todo perpassa, subjaz uma aura de canção perdida, de lirismo belle-époque, que dá vontade de ir ao Rio só pra conhecer a Lapa e escutar os sambas daquele tempo. O tempo dos boleros, dos choros e do samba-canção. E que maravilha de mistura. Choros, canções, sambas e até um jazz para temperar o caldo. Parece que em todas as músicas essa aura brilha, com uma leveza esplêndida. Ouvi, ouvi, e já estou querendo ouvir de novo, por estar pensando no disco. Outra canção saudosa é “deusa da minha rua”: Meus olhos são poças d'água/Sonhando com seu olhar/Ela é tão rica e eu tão pobre/Eu sou plebeu, ela é nobre/Não vale à pena sonhar.” Parafraseando o Jabor, essa é do tempo em que namorada não dava.
O repertório todo é selecionado a dedo, desde este clássico, passando por Tom e Vinicius, Dorival Caymmi, Tom Zé, Cartola, e Luiz Tati (que está aí para dizer a todos nós que a música popular brasileira vai continuar boa e bem brasileira). “Capitu” do Tatit é certamente uma das coisas mais maravilhosas que já ouvi. Conheci na voz da Na Ozetti, que me foi gentilmente apresentada pela Cláudia: “Não há quem não se encante/Um método de agir que é tão astuto/Com jeitinho alcança tudo, tudo, tudo/É só se entregar, é não resistir, é capitular”. Poeticamente a canção já encanta. Lírica, com um ritmo de poesia do Bandeira, e uma madureza só vista em caras como Vinícius e Chico, que sabem tão bem cantar a mulher e seus ardis.
O Jazz com cheiro do rio missisipi de “dream a little dream of me” é qualquer coisa que penetra, se insere insidiosamente na veia da gente. Fiquei com estes versos me cutucando por vários dias: “Say nighty-night and kiss me/Just hold me tight and tell me you miss me”. Só o jazz possui essa simplicidade de dizer as coisas, sem ser piegas, sem ser simplicista, e ser absurdamente lindo. Coisa que a nossa bossa nova conseguiu emprestar e dar uma cor brasileira. Esse disco da Zélia é a garantia de que a podemos ficar sossegados. Se Nara Leão, Elis, Clara Nunes e outras tantas que já se foram, pareciam não ter deixado sucessoras, parece que encontramos.

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