BeatBossa

sábado, março 28, 2009

Watchmen

Claro, vou falar também do filme, porque tem muita "crítica" superficial por aí. E nada como uma conversa de boteco com gente inteligente para você perceber que o que você viu faz sentido ou o que as outras pessoas viram também faz sentido. Vai ver, estamos todos delirando juntos.
O filme é um cocô enquanto filme, enquanto cinema: aquele truque tosco que ninguém gostou nas cenas de ação de 300, o diretor usa novamente aqui. Não acrescenta nada pra cena. Eles são Heróis em um sentido, mas o único que vemos usando "superpoderes" é Dr. Manhattan, os outros apenas parecem ser mais fortes e rápidos que as pessoas normais, como o Batman por exemplo, que nada mais é do que um homem forte que fez umas aulas de karatê e tem um cinto de utilidades. Os créditos iniciais são extremamente longos, mas não se engane, porque muita informação importante está passando nos créditos enquanto você se distrai lendo os nomes das pessoas que fizeram o filme: vemos uma heroína lésbica dos anos 40 ser assassinada, heróis daquela época se aposentando, um herói matando o presidente kennedy (esse informação é chave), e pelo que entendi esses heróis eram como vigias (watchmen), onde houvesse um problema eles apareciam. A trilha sonora é ótima, quer dizer, as músicas são muito boas, mas sabe aquela sensação de "putz, não encaixou". Mesmo nos créditos iniciais, tocando "the times they're changin" do Bob Dylan, claro, a música tem um significado aí que não teria no livro: uma lição de que apesar da canção falar da mudança dos tempos que está vindo, parece que eles mudaram de fato, mas para pior. Numa fala significativa do filme: O Coruja Noturna pergunta ao Comediante:
- O que aconteceu com o sonho americano.
Enquanto isso o comediante explodia hippies numa manifestação.
- Olhe a tua volta: ele aconteceu.
no original "it came through".
Outra cena dispensável: a cena de sexo entre o Coruja Noturna, que parece só conseguir uma ereção se estiver fantasiado, e a Espectra. Não que eu não tenha adorado ver o corpo fabuloso dela se contorcendo por uns bons quatro ou cinco minutos, e sua melhor interpretação no filme foi o momento do orgasmo. tudo isso sob "Halleluijah" do Leonard Cohen, dispensável (adoro, a música, por favor, não me interpretem mal).
Não sei se isso tudo argumenta a favor do meu ponto: enquanto cinema, Watchmen não tem nada demais, nem os efeitos, nem som, nem edição. Tem tudo que um filme de super-herói tem, mas em termos de edição de imagem e som tá bem atrás do nível que filmes com "Dark Knight" e "Ultimato Bourne" conseguiram, filmes de ação que traçaram novas marcas de qualidade pra filmes de ação (com certeza, os dois melhores filmes de ação da década).
Agora vamos falar bem do filme, ou melhor, da história, coisas que não são óbvias, ou não tão óbvias assim, por isso não leia se não viu o filme ou o livro, ou se quiser ler não me responsabilizo pelos eventuais spoilers. Dica 1: não é um filme de super-herói do mesmo tipo que é Batman ou Homem-Aranha, tente ver o filme como um filme de heróis sobre heróis, é metalinguagem em essência, um ensaio: o que aconteceria se tivessemos super-heróis andando pelas ruas (o que "os incriveis" fez, mas para crianças). Há uma lição aí também, nesse papel dos heróis na sociedade, lembra do Superman, num dos filmes ele pega todas as bombas nucleares e joga elas no sol. Aqui, o equivalente ao Super-man, o Dr. Manhattan é um físico nuclear! que trabalha num centro de pesquisa militar! que foi ao vietnã estraçalhar vietcongs! Cena fundamental: Dr. Manhattan e o Comediante estão num bar, no vietnã, tocando Janis Joplin ao fundo, quando chega uma mulher grávida e diz que o filho é do Comediante. Eles discutem, ela quebra uma garrafa e faz um corte na face dele. Ele puxa a arma. Dr. Manhattan pede para ele não fazer isso, mas ele atira assim mesmo. o Comediante diz:
- Você podia ter me parado, porque não fez?
- ...
- Você não dá a mínima pra humanidade.
Viu: o supostamente bom herói nada mais é do que alguém sem coração, que não dá a mínima pra humanidade.
E qual deles dá, afinal? o Comediante é a encarnação de tudo que há de ruim nos seres humanos: fuma e bebe, é extremamente violento, é grosseiro, age por impulso, egoísta, niilista. E repara na cena em que ele queima o mapa na reunião dos heróis. Há também uma fala significativa de Adrian nessa cena: "Nós podemos fazer muito mais. Nós podemos salvar o mundo... com a liderança correta." Ele é um homem inteligente, e admira Alexandre, o Grande. Que foi aluno de Aristóteles. Claro, ele vai se comparar a um Alexandre moderno. E ironia final é que ele precisa matar alguns milhões de pessoas para conseguir a paz, ele não é um cara mau, ele só quer a paz. Mas acaba fazendo algumas maldades pelo caminho pra conseguir isso.
Mais um ponto contra o Dr. Manhattan, ele larga a mulher, que começa a envelhecer por uma jovem, mais nova e mais bonita, mesmo jamais conseguindo esquece-la.
Rorschach, pra mim, de longe a melhor interpretação e o melhor personagem: complexo, inquisitivo, forte e ágil, mas sem super poderes, ele é introspectivo, ele calcula. Ele é o oposto de um Wolverine, por exemplo, que é só instinto. Ele tem valores, caça um pedófilo por exemplo, se recusa a guardar a mentira, por isso terá que morrer. É atormentado: clichê criança vê a mãe fazendo o que não deve (possivelmente uma prostituta); também na infância, o franzino e pequeno garoto é atormentado pelos garotos maiores e mais fortes da rua. Mas Rorschach não é um garoto comum e essa cena é uma das melhores do filme. Quando ele está na prisão também temos uma cena ótima. Na linha de servir do bandejão da cadeia, o ambiente começa a se formar para uma briga, e o corte para a banha fervendo, que parece desproposital quando tudo está em paz, vai se revelar profético minutos depois. Um homem tenta atacar Rorschach, como é mais rápido, antes que o homem se dê conta Rorschach está despejando a panela de banha quente na cara do sujeito: aí vem outra fala ótima, com aquela voz fabulosa dele:
- Vocês não percebem... Não sou eu quem está trancado aqui com vocês... VOCÊS é que estão trancados aqui comigo!
Tem algo de profético também na estória: imagine se os Estados Unidos tivesse vencido a Guerra do Vietnã, como seria a América? no fundo, o que vemos são heróis servindo de joguete político nas mãos de Nixon: o Comediante tem uma foto com o presidente em casa, é ele que vemos assassinando Kennedy, é ele que vemos explodindo protestantes contra a guerra, é ele que vemos tocando fogo em vietcongs. foi o Dr. Manhattan que foi chamado para terminar a guerra, como uma espécie de apocalipse ele aparece, explode alguns vietcongs apenas com o pensamento e em pouco tempo os rebeldes se rendem a ele. Mas lembrem, estamos nos anos oitenta, Guerra Fria, os americanos cagando de medo que os Russos tentem atacar a américa; como sabem se um atacasse o outro usando material nuclear estaríamos todos fodidos e um riscaria o outro do mapa assim como o resto da vida na terra. Bacana é a referência a "Sala da Guerra" do Dr. Fantástico do Kubrick, filme que fala também dessa paranóia do medo de um ataque nuclear, mas que deixa a mesma lição que Watchmen deixa: quem protege a gente dos heróis? no caso do Dr. Fantástico, quem protege a américa de si mesma?
Se o objetivo da história era descontruir o gênero "super-herói" acho que consegue. O vilão, supostamente, não é tão vilão assim, ele não quer conquistar o mundo. ele já é rico, inteligente, ele quer a paz (contraditório não, pra um vilão?). Os heróis são problemáticos: bebem, envelhecem! se aposentam, tem problemas com a mãe. Veja, nos clássicos, os heróis não tem família: homem aranha foi criado pela tia; batman é órfão; superman é um alien criado por uma família de terráqueos; hulk é um cientista, cientistas não tem tempo pra família; os W-men todos abandonam suas casas, porque a família não os aceita. Aqui não, os Watchmen tem os mesmos problemas que nós temos, eles tem uma essência humana (que talvez só o último Batman tenha), eles são atormentados por garotos na rua, eles tem problemas com a mãe, eles tem traumas de infância, eles são egoístas (como o cristão que faz o bem não porque quer fazer o bem, mas só o faz pra não ir pro inferno), eles enlouquecem (repara nos créditos iniciais).
Falei demais, a história tem muito mais do que o olho vê, claro (repara na cena do Vietnã: toca Cavalgada das Valkírias, mesma música que toca numa cena clássica do Apocalipse Now do Coppola), também nos créditos iniciais, tem gente que disse que viu o David Bowie e o Mick Jagger na cena em que Adrian revela sua identidade ao mundo, Andy Warhol pintando heróis, etc. Enfim, acho que tudo isso reforça o meu ponto: a história é boa, o filme... o que tem de bom, tem porque a história é boa.

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