BeatBossa

segunda-feira, novembro 17, 2008

Hell's Angels, by Hunter S. Thompson

Acabei de ler “Hell’s Angels: a strange and terrible saga”, Hunter S. Thompson, publicado pela primeira vez em 1966. Pediram para ele escrever um artigo sobre o então nascente fenômeno das gangues de motociclistas na Califórnia, e logo surgiu a idéia do livro-reportagem. Hunter conviveu com os caras por quase um ano e o resultado desse convívio ele conta nesse livro que marcou a história do jornalismo americano, e possivelmente mundial também. Fugindo do sensacionalismo, da mentira, e do medo, o cara enfrentou os touros e foi ver se eles eram tão maus quanto pareciam vistos de longe: eram piores.

Ele conta tudo que vivenciou, os principais figuras e organizadores dos encontros que conheceu, as festas, as orgias. Os Angels ganharam publicidade quando seus atos começaram a virar notícia nacional: acusações de estupro, distúrbios, badernas, roubos, tráfico de drogas, nas palavras de Hunter, a sociedade parecia vê-los como uma horda de Unos montados em motos que a qualquer momento poderia aparecer para aterrorizar a vidinha pacata de uma cidadezinha americana qualquer da costa oeste. Pelo que conta, muitas das atrocidades que eram atribuídas aos caras eram em parte verdade, e outra parte invenção de jornalistas que nem viram o que de fato aconteceu, e contavam uma outra história. Muitos dos estupros por exemplo, as mulheres simplesmente apareciam nas festas e se deixavam ser servidas em rodízio para quem quisesse participar, o que sempre girava em torno de umas vintes cabeças, obviamente, quem estava acompanhado não se metia, e as mulheres mesmo não sentindo bem com o que rolava, pouco faziam para protestar.

Primeiro, a visão dos caras já era de assustar, tatuados, todos pilotando Harleys mexidas, customizadas com peças roubadas, cabeludos, barbudos, sujos, portando suásticas como tatuagens ou emblema nas motos, e quando eles se juntavam pra beber realmente tocavam o foda-se. Muitos deles não tinham emprego fixo, ou trabalhavam por um tempo, saiam do serviço e ficavam vivendo do seguro-desemprego até terem que procurar outro trabalho, ou simplesmente eram mecânicos de carros ou motos. Família? Muitos não tinham ou estavam pouco de lixando.

Conforme as barbaridades cometidas por eles eram anunciadas nos rádios e nos jornais, não demorou para aparecer a televisão e os Angels virarem celebridades do cenário underground. Demorou um pouco pra eles perceberem que não estavam ganhando e nem iam ganhar nada com isso. Ou pior, começaram a lhes atribuir crimes que não foram cometidos por membros, ou pessoas começaram a promover badernas em outros lugares do país usando o nome deles, e sem serem oficialmente membros. Até chegar a um ponto em que eles compravam o jornal só para ver se saiu alguma notícia sobre eles. Chamaram-lhes de comunistas, fascistas, foras-da-lei, etc. e quando começaram a perguntar quais as opiniões políticas que eles tinham se mostraram tão conservadores quanto um americano comum do interior do Texas, quando por outro lado, intelectuais, hippies, e outros liberais os viam como um símbolo de rebeldia, liberdade, revolução, eles eram heróis. E de fato, eram apenas um bando de desempregados, sem estudo, que acontece simplesmente que viram que viver em grupo ser tornou a forma mais fácil de sobreviver e se divertir. E nesse ponto havia uma ética de solidariedade muito grande, quando um não tinha o que comer, sempre tinha um prato a mais na casa de quem tivesse, ou se ambos estavam duros, chamavam um terceiro ou quarto e iam ao mercado e simplesmente pegavam o que precisassem, apesar de eles sentirem vergonha por terem que roubar comida muitas vezes.

Um exemplo do conservadorismo deles foi quando no auge dos protestos em Berkeley pela retirada das tropas do Vietnam, eles se posicionaram a favor da guerra, inclusive se oferecendo formalmente para ir pra luta (claro que o governo ignorou), e até circularam boatos de que eles apareceriam ao lado da polícia durante uma grande marcha e iam descer a ripa nos pacifistas (tem no livro um grande texto do Ginsberg quase implorando, caso eles tivessem realmente a intenção de fazer isso, que não o fizessem).

Eles são figuras contraditórias, pra dizer o mínimo, e o final chega a ser triste, porque Hunter acabou apanhando num bar sem saber por que e acabou sendo “salvo” por um dos caras que ele tomou por amigo, afinal mexeu com um, mexeu com todos. O cara acabou dizendo “tá bom, já chega” quando a cara dele já tinha virado do avesso e já estivesse com uma costela quebrada. Além da descrição do funeral de um dos grandes figurões morto em um acidente de moto.

Provavelmente o livro de Hunter ajudou a construir e a destruir muitos mitos em torno dos Angels, e mostrou que eles são frutos de uma sociedade que na época estava se transformando, que o sonho americano era apenas uma idéia falida:

“far from being freaks, the Hell’s Angels are a logical product of the culture that now claims to be shocked at their existence. (…) This is the generation that went to war for Mom, God and Apple Butter, the American Way of Life. When they came back, they crowned Eisenhower and then retired to the giddy comfort of their TV parlors, to cultivate the subtleties of American history as seen by Hollywood”.

Ele compara também os Angels com o surgimento de gangues de adolescentes que batiam em negros, judeus e nerds só por diversão; com Charles Manson; com as revoltas dos negros pelos direitos civis; os Angels, assim como esses outros casos parecem ser mais um sintoma de uma sociedade doente que se recusa a ver que apodrece de dentro pra fora. Ironicamente, eles se colocam ao lado de uma direita, que se pudesse, a primeira coisa que faria seria exterminar todos eles e jogar no mar como comida pras baleias.

Hunter S. Thompson está longe de ser um cara normal, uma cara com uma obsessão quase freudiana por armas não pode ser normal, mas isso não diminui em nada o valor e a beleza do seu texto. Quando o novo jornalismo nascia, a era da objetividade e precisão tomava conta dos noticiários ele inventava o jornalismo gonzo, investigativo, documental, histórico, sociológico. Ta tudo ali: é uma tese de antropologia cujas referências vêm em forma de epígrafes antes de cada capítulo. Somente o olhar agudo de um cara extremamente lúcido e inteligente poderia captar o que eram aqueles tempos, que hoje olhamos e pensamos, nossa deveria ser muito legal: orgias, LSD distribuído como se fosse amendoim, liberdade, quando no final das contas eles eram apenas um bando de caras revoltados porque não tinham o que todo mundo quer: dinheiro e status.

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No filme "Gimme Shelter" (1970, Albert e David Maysles) é retratada a turnê americana e um grande concerto gratuito que os Rolling Stones deram em 1969 em Altamont, Califórnia. 300 mil pessoas estavam lá e os organizadores colocaram a segurança a cargo de quem? Hell's Angels. foi como deixar um grupo de crianças tomando conta de uma loja de brinquedos. Rolou muita pancadaria, e o show dos Stones foi interrompido várias vezes ou porque as pessoas não paravam de brigar, ou porque tinha muita gente em cima do palco. Um cara foi assassinado, e o show foi considerado um total desastre. Altamente indicado para quem gosta de documentário sério e roquenrol

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