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terça-feira, dezembro 12, 2006

english tales












Os contadores de histórias

Luiz A. de Assis Brasil disse em algum lugar que o leitor insaciável sempre está em busca do livro ideal. Assim como o escritor nunca fica satisfeito com seu trabalho porque sempre está em busca de contar a história ideal. Toda vez que conheço ou reconheço uma história da cultura inglesa tenho uma epifania: essa é a história ideal! Como esses homens conseguiram escrever estas coisas maravilhosas? Como uma pequena ilha pôde produzir tanta maravilha do imaginário ocidental? Shakespeare, Milton, Swift, Shelley, Byron, Wilde, Tolkien, para citar apenas os que me vêm à mente agora.

Se percorrermos a história vemos que na idade média surgem as histórias do Rei Arthur e dos Cavaleiros da Távola Redonda. Todo mundo conhece. Ou pelo menos já ouvir falar do Rei Arthur, de Lancelot e sua trupe.

Na renascença, período que é conhecido como a era elizabetana na Inglaterra, surge o maior dramaturgo de todos os tempos. A tragédia de Romeu e Julieta se entranhou na cultura ocidental de tal forma que chega a ser maior até do que Shakespeare. Mesmo quem nunca ouviu falar do escritor já ouvir falar do casal.
Com o avanço das grandes navegações e descobertas de novas terras surgem as histórias de aventuras. Defoe e seu Crusoé, Swift e as Viagens de Gulliver, uma espécie de Marco Polo saxão, que após o naufrágio do navio onde viajava chega num país estranho e acaba vivendo aventuras doidas pelos países onde passa. Uma grande metáfora da Inglaterra da época.

No romantismo floresce uma nova forma de contar histórias. Seja em verso, Byron, seja em prosa. Byron, por si mesmo se tornou uma lenda. Seus feitos e seus poemas foram cantados nos quatro cantos do mundo ocidental e todo jovem do século XIX sonhava com ele. O fantasma da tuberculose criou uma espécie de neurose em torno da morte. A morte passou a ser adorada e nasceu o que hoje chamamos de góticos e necrófilos. Coisa que o heavy metal soube utilizar. Veja-se o Black Sabbath, e o Iron Maiden. Shelley cria o Frankstein. Outra criatura que cresceu mais do que o criador.

Ainda nesse período surgem figuras como Dickens, Lewis Carroll, Conan Doyle. Se fizermos uma pesquisa, de cada dez pessoas pelo menos nove já deve ter ouvido falar de Alice no país das maravilhas e Sherlock Holmes. Ainda temos o Robert Louis Stevenson que cria o Médico e o Monstro (The Strange Case of Dr. Jekyll and Mr. Hyde), vai dizer que não conhece?

E o Peter Pan? Sabem a nacionalidade do cara que o escreveu? James Matthew Barrie nasceu na vila de Kirriemuir, na Escócia. Cresceu lendo Júlio Verne (aquele francês que criou o capitão Nemo, a volta ao mundo em oitenta dias e outras aventuras). E sua mãe lia para seus filhos as histórias do americano James Cooper, o cara que escreveu "o último dos moicanos". Vejam, eles LIAM estas coisas, não iam na locadora pegar o filme, como fazemos hoje. E Barrie foi amigo de Doyle, fundaram até um clube de cricket.

E vale lembrar ainda que a literatura para crianças surge ao mesmo tempo em que começam a surgir as escolas organizadas, no final do século XVIII e começo do século XIX (em todo o mundo, no Brasil demorou um pouco mais, mas foi decisivo a vinda de imigrantes italianos, alemães para que se começassem a fundar escolas na vilas no interior. Não esqueçam que fora do litoral, a maioria das cidades catarinenses e paranaenses possuem menos de cem anos). Bram Stocker, nascido na Irlanda, criou seu Drácula no final do século XIX. Agora me explica: como um cara que se forma em matemática pura vira crítico de teatro e romancista? Coisa impensável nos dias de hoje, ainda mais no Brasil.

No século XX aparecem caras como H. G. Wells, Aldous Huxley, Tolkien, que mesmo nascendo na Alemanha, viveu na Inglaterra desde os três anos.

E o Bond? James Bond? É o herói pós-moderno. Elegante, galante, com sua licença para matar e as engenhocas não há vilão invencível, não há obstáculo não ultrapassável. Mesmo a Grã-Bretanha não sendo mais o império que era no final do século XIX, ainda se reversa o dever de velar pela paz mundial.

A literatura nacional é ainda adolescente, enquanto cultura, e somos ainda pré-adolescentes enquanto povo. Ninguém lê mais as obras dos românticos, porque temos preguiça de ir no dicionário conhecer palavras novas. Alguém aí sabe quem foi "a virgem dos lábios de mel"? alguém aí sabe de que obra começa com os versos "as armas e os barões assinalados?", conhecem o mito de Dom Sebastião? Negrinho do Pastoreio? Cobra Norato? Curupira? Macunaíma? O Caramuru? O Visconde de Sabugosa? A dama da lotação? A Gabriela, cravo e canela? A Capitu? O Leonardo que virou sargento de milícias? O Capitão Rodrigo? O analista de bagé? Os poetas inconfidentes, Tomás A. Gonzaga, Claudio Manoel da Costa? Sabem onde fica Pasárgada? Pena que eu não conheça livros sobre as aventuras dos bandeirantes, os desbravadores da amazônia, e de guerras nacionais se bem me lembro só li sobre o Contestado, Canudos e a invasão holandesa em Pernambuco, lembram do Maurício de Nassau? Sabem por que o Rio de Janeiro se chama "Rio de Janeiro", e a "baía de todos os santos" foi batizada assim? Alguém ouviu falar de Aleixo Garcia, que em 1524 já morava em Santa Catarina? Você, deve estar pensando, ué? O Brasil não começou a ser colonizado depois de 1531?

Infelizmente, não temos a cultura de contar as nossas histórias. As histórias dos nossos antepassados. Lampião é o Alli Babá do sertão. O profeta João Maria, o Nostradamus dos rincões catarinas. Não lemos, não escrevemos livros. E depois quando aparece um cara como Aluísio de Azevedo, que mostra como um Cortiço no Rio do final do século XIX cresceu e prosperou (o dono era Português!), e mostra como um portuga de nome Jerônimo, abrasileira-se: começa a beber, larga a família, gasta dinheiro com bobagens, fica preguiçoso, começa a gostar de café; não entendemos como criou-se esse imaginário de que somos fracassados. De onde vem essa idéia: o Brasil não tem concerto, o Brasil ainda vai dar certo. Claro. Não lemos, não conhecemos nossa história.

Em todo caso, quem não tem Alice, caça com Emília.

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