BeatBossa

segunda-feira, junho 23, 2008

uma prosa

- Vamos fazer o quê?

- Decide você, senão você vai acabar dizendo que a gente sempre faz o que eu quero.

Ele já previa debates, e tratava de aprontar os argumentos. Aqueles, que a gente guarda em caso de precisão. “Lembra aquele final de semana que você me obrigou a ver uma temporada inteira do Sex and the City? Ou daquele sábado que a gente perdeu no shopping procurando um presente para os cinqüenta anos da tua mãe, que no final ela acabou indo trocar porque não gostou da cor?”

- Vamos ficar em casa então.

- Hummmm. Vamos dar uma volta, preciso ver gente.

- Ta enjoado da minha cara?

- Digamos que sim.

Ela faz aquela cara de quem diz que não esperava uma resposta humorada mas sincera.

- Faz algum tempo que a gente não sai. A gente poderia ir em algum barzinho, comer uns petiscos, ouvir uma música. Um programinha só-nós-dois. Claro, lugares que tocam pagode estão fora de cogitação.

Não que ele não gostasse. Simplesmente lhe parecia insuportável aquelas letras sem criatividade, aqueles clichês rimando, aquela música simples sem muito arranjo, sem muita firula. Assim como lhe pareciam as mulheres que iam nos pagodes: muito barulho, pouco conteúdo, saltitantes gozando de uma felicidade que se resumia em uma voto para colocar no orkut, e umas fofocas novas sobre quem estava ficando com quem, quem largou quem, quem ficou grávida de quem, quem bateu o carro, quem brigou com quem. A vida seria isso, ser um alguém nas fofocas? Matéria de parlação?

- Tem um bar novo que abriu no centro. Me disseram que tem um som ao vivo, a banda toca um pouco de tudo, punk, new wave, indie, algumas bregas dos anos oitenta.

- Eu não gosto da gente que vai nesses lugares.

Ela nunca gosta das pessoas que vão nos lugares que eu gosto de ir. Que mal tem se tem gente que gosta de pintar o cabelo de azul, usar roupas que não combinam, e beijar pessoas do mesmo sexo. Como se fosse normal ir num lugar da moda e ver adolescentes beijando uma pessoa diferente a cada tequila, como se fossem encontrar alguma coisa diferente em cada boca. Ou estivessem procurando tipo um daqueles vale-brindes da coca-cola, quem achar ganha uma noite de sexo. Mas no final tá todo mundo bêbado, eles acabando acordando com alguém pelado do lado e acham que fizeram sexo.

Ele costurava os pensamentos com trocas de canal que levavam a lugar algum. O quase interminável número de canais parecia um labirinto sem saída. Qualquer botão que apertasse levava para o seguinte. Não suportava aquilo por muito tempo.

- Já sei. Vamos num restaurante japonês. Faz tempo que a gente não vai.

Ela entretida em afazeres, em outros pensamentos.

- Minha irmã vem visitar a gente semana que vem.

- Onde que ela vai dormir?

- Na sala. Acho que aquilo ali é ainda um sofá-cama.

- Eu vou trabalhar aonde?

- Você pode muito bem trabalhar no quarto. Você nunca se importou de escrever na cama.

- Isso antes das minhas costas começarem a doer.

- Uns três dias não vai fazer mal.

Tudo bem. Ele não tinha como dizer não. Ela também não reclamava quando seu irmão passava dias dormindo no sofá assistindo filmes de terror que só ele conhece e pornografia amadora. Sorte a cunhada não ser uma rodriguiana, ou azar. Se sentiu precisando de uma aventura.

- Vamos numa casa de suíngue?

- Daonde você me tirou essa? Não tá falando sério, espero.

- É uma sugestão, vai dizer que você nunca teve curiosidade.

E se ela topa?

- Ta bom... Nunca me imaginei sendo uma coadjuvante no Calígula, com várias mãos e pintos querendo me penetrar e me tocar por todos os lados e orifícios.

Ele tentava imaginar a cena. Ela com trajes romanos, sendo despida por dois modelos da Men’s Health, e duas coelhinhas da Playboy ao lado davam início aos trabalhos mãos e línguas procurando-se corpos que se desvendam mesmo sabendo-se conhecidos. Melhor parar por aqui.

- Bom. Opção a ou opção b? sushi ou roquenrol ou os dois?

- Nenhuma das alternativas anteriores.

Ele adorava essa sinceridade brusca e sem rodeios. Sem não-sei-você-é-quem-sabes adolescentes.

- Podia ter um restaurante de delivery de comida tailandesa. Já imaginou? Que gosto deve ter comida tailandesa?

- Sei lá, noz-moscada, canela, ou uma mistura dos dois.

- Dizem que a Turquia cheia a cravo. Que cheiro você acha que tem Florianópolis?

- De hippie que não toma banho uma semana, surfista que passou o dia na praia, e os dois passaram um perfume qualquer falsificado.

- Puta barata.

- Quê?

- Floripa cheira a puta barata.

- Qual é o cheiro de puta barata?

- É a versão feminina da tua opinião.

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